Tal como a lei revelada, também a lei natural é uma manifestação da vontade divina. Se a Igreja é a guardiã da Revelação, a lei natural é por ela própria acessível a qualquer inteligência pela observação do real. Ora a política é tão natural como a Cidade: por isso quando S. Tomas quando trata da ciência política não hesita em integrar o pensamento dos sábios pagãos de tal forma a Fé e a razão não se podem contradizer. Rompendo com o providencialismo augustiniano do seu tempo, sem cair no naturalismo dum Siger de Brabante, ele reavalia a natureza humana que a Graça realiza sem nunca a destruir.
Se para os Antigos a dignidade adquiria-se com uma vida virtuosa submetendo-se às leis da nossa natureza, para os Modernos, a dignidade do homem reside na sua liberdade. Liberdade em relação a toda a tradição, a toda a autoridade e a toda a instituição. A partir deste momento o homem já não aceita mais leis que não tenha sido ele próprio a fazer, assim sendo as pessoas, as nações, a política autonomizam-se – elas deixam de ter um limite ao desejo de poder. Mas esta falsa liberdade defendida pela Modernidade bem como o esquecimento da dignidade virtuosa apenas conduziram a humanidade à sua “alienação crescente” segundo a expressão de Hannah Arendt* e a uma hedionda caricatura dela própria.
Para legitimar a sua usurpação de 1830, Louis-Philippe reivindicou uma monarquia popular por oposição à tradicional monarquia real. Bonald retoma aqui esta tentativa de síntese entre monarquia e democracia, e mostra como o abandono do regime de conselho pelo regime de oposição é prejudicial ao bem comum.. Com efeito, a existência de uma oposição constitucional, inerente ao governo representativo, torna-o impotente de tal forma ela estimula as ambições, exaspera as paixões e perverte até mesmo os mais virtuosos.
Na cidade tradicional o bem comum é realizado pela obediência livremente consentida ao rei legítimo, na medida em que este mesmo está submetido a uma ordem superior a toda a vontade humana. Com a modernidade política, a vontade do homem apoderou-se de toda a ordem de que não é a fonte; já nada se lhe pode opor. Assim todo o poder que se exprime em nome da vontade geral, poder democrático ou autocrático é potencialmente totalitário. No entanto muitos monárquicos e católicos, esquecendo-se do que é legitimismo, esperam conseguir restaurar a polis com as armas da modernidade: uns pelas urnas, outros pelo golpe de estado do bom ditador, ou mesmo os dois...
Da loja maçónica ao sindicato, da célula do partido ao Parlamento, a máquina democrática promove uma liberdade análoga à liberdade de movimento de uma locomotiva nos carris. Impossível afastar-se do caminho da opinião elaborada secretamente por aquilo a que Augustin Cochin designa por “círculo interior”. Se o rebanho votar mal, ele será “trabalhado” até que a moção preparada pelo círculo interior seja aprovada. Esta moção será então apresentada como um progresso, como algo de adquirido, e que nada mais o poderá questionar.
Já em 1978 o grande historiador francês escrevia: “a obra de Soljenitzine veio colocar a questão do Goulag no mais profundo do desígnio revolucionário; é inevitável que o exemplo russo venha afectar por ricochete a sua “origem francesa” (….) Hoje o Goulag leva-nos a repensar o Terror, devido à identidade do projecto. As duas revoluções continuam ligadas.”* Foi por isso com toda a naturalidade que em 1993 Soljenitzyne presidiu à inauguração do Memorial da Vendeia, no local do “Oradour-sur-Glane” jacobino, para aí relembrar a filiação directa dos totalitarismos do século XX com a I República genocida.